Gostei e colei… Ódio: como evitar?


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Maristela Bairros

“Não odeie, querido. Ódio é uma palavra muito forte”. Adorável esta frase, proferida com inigualável cinismo, por Kathleen Turner na cena de abertura de “Serial Mom” . Para quem esqueceu ou não viu, trata-se daquela comédia de John Waters que exibe uma mãe “de comercial de margarina” que se revela uma psicopata capaz de se divertir até dizendo obscenidades ao telefone enquanto mantém a pose.

A recomendação de Beverly, a personagem, é dada em meio ao café matinal, enquanto a família (ela, o marido e um casal de filhos) comenta um assassinato noticiado no jornal.

De fato. A frase “eu odeio” é pesada, cruel como poucas capazes de expressar um estado humano de insatisfação. Animais não odeiam, eles brigam, se matam até, mas não odeiam, ao menos é o que dizem os experts e eu acredito. Já quando alguém afirma que está com ódio, o clima é perceptível à distância. Aquela onda emitida a partir deste sentimento vai envolvendo o ambiente e quem nele está, e não precisa nem haver um assassinato, como no filme, para ele ocorrer de fato: o ódio mata por si só.

Não odiar é tão fundamental para o equilíbrio da vida quanto respirar e Deus cochilou ao esquecer de incluir esta lei em sua taboa dos 10 mandamentos. Se tivesse sido mais específico, mesmo correndo o risco de ver a gentalha guiada por Moisés construir bezerros de ouro na primeira dificuldade, o todo poderoso houvesse evitado tanta desgraceira.

Em 2007, o garotinho João Hélio entrou na vida cada brasileiro ao ser morto enquanto era arrastado por quilômetros, preso à cadeirinha de segurança do carro de sua mãe que fora assaltada por um grupo de marginais. Ele tinha seis anos de idade. Um dos assaltantes tinha 17 anos e já então todos ficaram sabendo que, logo, ele estaria livre. A libertação, atendendo à lei brasileira, se deu no dia 10 último. Com direito aprograma de proteção sob os auspícios do governo em colaboração com a ong Projeto Legal.

Tem de ter muita força espiritual, nessa hora, para evitar o nefando sentimento de ódio (que ronda qualquer um que tenha uma pontinha de sensibilidade) em relação a um matador de inocente ganhar as ruas e direito de “repensar sua vida” enquanto os familiares de sua vítima carregam, sem solução, a dor desta perda. E ninguém pode fazer nada para evitar esse absurdo.

Convém evitar o ódio a Ezequiel Toledo Lima, hoje com 19 anos, assassino confesso, envolvido em episódio de agressão durante sua detenção, que está protegido em lugar não revelado por, segundo a tal ong, correr risco de morte. Humano, falível, vítima de condições inadequadas de existência, dirão seus defensores. Mas conseguirão estes defensores ser tão cínicos a ponto de sobrepor a miséria de Ezequiel, o matador amparado, à saudade dos pais de João Hélio?

Sem ódio, mas, com santa indignação, deveriam todos os pais deste Brasil se mexer para evitar que uma lei torta continue premiando os bandidos e punindo duas vezes suas vítimas. Se a noção de certo e errado, justo e injusta for perdida neste país sem controle de nada, em breve se estará fazendo o que fizeramos roqueiros de  “Serial Mom”, confirmando a dona de casa assassina como ídolo.

maristelabairros@gmail.com

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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