Bela entrevista que recomendo a leitura…
Entrevista com o médico Ricardo Necchi
MS – E quando internar na UTI é errado?
NECCHI – Muitas vezes são pacientes que não vão se beneficiar de tratamento intensivo, são pacientes em fase final de câncer, estão com vários AVCs (acidente vascular cerebral) e acamados há muito tempo… Mas a família tem muita dificuldade em lidar com a morte. Isso é uma coisa muito séria… A humanização das UTIs é hoje uma das coisas mais discutidas. Nos congressos, o que mais se discute é ética e humanização dentro da UTI. Até onde a gente pode investir nos esforços com um paciente.
MS – Mas é difícil lidar com isso. As pessoas acreditam que ali vão estar bem.
NECCHI – Eu digo por experiência. Tenho pessoas conhecidas, de ótima relação, que até ficaram de mal comigo, porque eu disse: “olha, tua mãe (ou tua tia) não tem porque ficar no tratamento intensivo, ela tem que ficar com a família, ela não vai sobreviver. São pessoas que ficaram chocadas comigo. Existe um trabalho publicado de uma médica em Santa Catarina no qual ela afirma – é algo muito certo – que, antigamente, a criança assistia ao vovô morrer dentro de casa. Então, a morte era uma coisa mais próxima das pessoas. Depois, nós passamos para um segundo momento: as pessoas acham um absurdo morrer dentro de casa. A minha mãe morreu em casa, de câncer. Morreu cercada pela família. Hoje isso não existe.
As pessoas ligam para o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e trazem ao Pronto-Socorro os pacientes, infelizmente, morrendo. E perguntam assim para a gente: “vai mandar para morrer em casa?” Como se fosse uma coisa absurda.
Agora, estamos chegando a um terceiro momento. Os familiares não querem acompanhar a morte de seu familiar nem dentro do quarto do hospital. No futuro, nós vamos ter que fazer uma ala dentro do hospital em que as pessoas morrerão sozinhas, porque a família não quer mais acompanhar a morte de seu familiar.
Ela se sente frustrada de não poder fazer nada. Então, qual é o pensamento? “Vamos botar lá na UTI, vamos fazer tudo para ele se salvar”.
MS – Isso é uma espécie de alívio de consciência.
NECCHI – Não. Isso aí é um grande equívoco. Porque eu assisto à morte dessas pessoas na solidão. Longe dos seus familiares. A gente tenta, de alguma forma, conforta-las. Mas elas se sentem abandonadas lá dentro e isso apressa a morte. A melancolia da solidão da família é muito triste. E tem outro fato grave. Alguns colocam o familiar na UTI e depois não querem tirar. É uma “luta” para tirar. Mesmo que o médico diga “está bem, vai para um quarto do hospital”. Chegam ao absurdo de dizer: “ah, mas eu trabalho todo dia, quem vai ficar com ela?”
MS – Como é esse processo de humanização numa Unidade de Tratamento Intensivo?
NECCHI – É convencer a família de que o melhor tratamento é a presença ao lado. Sempre que isso for possível, é o melhor tratamento. Mas o que acham que é o melhor? Colocar dentro de uma UTI e ver o doente 15 minutos por dia?
MS – E isso não passa por uma conscientização? Uma equipe multidisciplinar que faça esse trabalho ou que vá além das paredes de um hospital?
NECCHI – É o que nós tentamos fazer. Temos uma equipe grande aqui. Com psicóloga, enfermeiras, técnicos, médicos. A gente tenta, explica o problema… e enfrenta a resistência enorme de levar para o quarto.
MS – Dentro do processo de humanização…
NECCHI – Voltando ao que a gente procura fazer dentro da unidade. Em primeiro lugar, tratamos todos os pacientes pelo nome. Isso é muito importante. O paciente não pode perder a identidade. E ele tem que ter noção se é dia, se é noite… De alguma forma precisa estar conectado com a realidade. Se perder essa conexão fica muito mais difícil de voltar. Incentivar a família a participar mais do tratamento e, logo que seja possível, tirar o paciente dali, para ficar mais tempo ao lado do familiar.
MS – Um doente que chega à UTI, ele encontra ali – na equipe – um médico especialista em terapia intensiva. Como é realizado o trabalho desse médico que se depara com tantos tipos de enfermidades e tão diferentes muitas vezes?
NECCHI – A especialidade de terapia intensiva é nova. Começou nos anos 80, quando foi transformada em especialidade. É oriunda das salas de recuperação dos blocos cirúrgicos. Os primeiros intensivistas foram os anestesistas. Eles observaram que alguns doentes graves que recebiam maiores cuidados sobreviviam mais que aqueles que, após a operação, iam para o quarto dormir. Assim foram criadas formas de monitorização… Esse foi o princípio da terapia intensiva. Hoje é uma especialidade médica muito ampla. O intensivista é um médico que arbitra o melhor para aquele paciente envolvendo vários profissionais especialistas. É um paciente que tem um cardiologista, um cirurgião,um “traumato”, um “neuro”… todos juntos tratando o mesmo caso. Então, por exemplo, o cirurgião quer aplicar algo que vai piorar os rins, aí o intensivista explica que “não é possível, porque pode ocorrer isso e tal”. O intensivista é o “cara” que tem a visão global do doente.
MS – E têm muitos momentos de tensão dado à gravidade de algumas patologias?
MS – Trata-se de uma defesa desesperada do corpo para combater a agressão?
MS – Como são os sentimentos dentro da unidade?
A grande maioria dos pacientes internados sobrevive e dá alta
Fonte: http://www.jornalminuano.com.br