Roberta Pennafort – O Estado de S.Paulo
Quase 40 anos saracoteando nos palcos, e o introspectivo Ney Matogrosso
revela: é desses que não suportam Parabéns Pra Você. Sente-se constrangido.
Segunda-feira, não vai soprar as 70 velinhas a que tem direito neste
aniversário.
Vai esperar a sexta-feira, quando recebe para jantar os amigos mais
próximos. Só cedeu à festa porque pensou bem e concluiu que a idade –
inacreditável – é cabalística (dez vezes o número sete).
Fabio Motta/AE
Ney. ‘Sou feliz com minha
vida’
A carreira de quase 40 anos se mantém no topo, o público o acarinha nos shows
e nas ruas do Leblon, a voz está ótima, o manequim, estacionado em 38. Não há
crise. “Nos 60 anos, tive uma insegurança idiota em relação a como agir, o que
vestir. Depois vi que não mudava nada, porque serei a mesma pessoa até morrer”,
ele contou, em entrevista em casa, há cinco dias. Nem a perda de cabelo, que o
deixa cada vez mais parecido com o avô, assombra Ney, que já teve seus dias de
rabo de cavalo. “Entre ficar careca e brocha, é melhor careca…”
O cantor sabia que o gancho da conversa era a data festiva, mas não se
incomodou. Já homenagens… “Não gosto, fico com vergonha. Chegaram propostas
mirabolantes. Sei que é uma idade que chama a atenção, especialmente porque
estou chegando nela muito bem. Desde que você queira, isso é possível: se não
fumar, se não comer que nem um animal… Os 70 são os novos 55.”
Esta semana, antes de cantar no Festival de Inverno de Bonito, em seu Mato
Grosso do Sul natal, que o homenageia nesta 12.ª edição, certificou-se de que
não haveria placa comemorativa envolvida. Na abertura, entretanto, teve de subir
ao palco com o governador, André Puccinelli, que o festejou: “Agora ele é Ney
Mato Grosso do Sul”.
Bonito assistiu ao show Beijo Bandido, que vem rodando há dois anos. Ney se
surpreende com a longevidade do trabalho, de tom menos exuberante e com
repertório que mistura composições de duplas como Herivelto Martins e Marino
Pinto (Segredo, sucesso de Dalva de Oliveira de 1947) e Herbert Vianna e Paula
Toller (Nada Por Mim, hit de Marina Lima nos anos 80).
Desde 1973, quando os Secos & Molhados chegaram para arrebatar o Brasil,
com o disco que tinha Sangue Latino, O Vira e Rosa de Hiroshima, foi um CD por
ano. Para o próximo, que será “mais pop”, já tem escolhidas músicas de Jards
Macalé, Vitor Ramil, Itamar Assumpção e do grupo carioca Tono. Como pensa sempre
primeiro no espetáculo, e não no CD, quer chegar a 20 faixas antes de ir a
estúdio.
O CD novo deve ficar para 2012, ano de outra efeméride: os 40 anos de
vivência artística – iniciada em A Viagem, adaptação para o teatro d”Os
Lusíadas. Foi durante a montagem que Ney descobriu que, além da voz rara, de
tenor para contralto, e do talento como ator, tinha o pendor para a dança. Tendo
“a libido como arma” contra o status quo, viraria figura central do
grupo-fenômeno, que duraria só até 1974.
Filmes. A entrada em circuito do filme Luz Nas Trevas – A Volta do Bandido da
Luz Vermelha, com roteiro de Rogério Sganzerla e direção de Helena Ignez e Ícaro
Martins, também é esperada para 2012. A sequência de O Bandido da Luz Vermelha,
com Ney como o mítico criminoso, ganhou prêmio da crítica no Festival de
Locarno, ano passado.
Um pouco antes, deve vir a público o documentário Olho Nu, de Joel Pizzini,
que revela seu pensamento. O Canal Brasil vai exibir uma série, com caráter mais
cronológico. Ney repassou à equipe mais de 600 horas em VHS (já digitalizadas)
com programas de TV, clipes, entrevistas, gravações caseiras. A pesquisa durou
três anos, e incluiu varredura em arquivos de TVs.
O filme levou Ney de Souza Pereira de volta à sua pequena cidade, Bela Vista.
Era para ser um presente de aniversário, mas, para finalizá-lo, falta captar
mais recursos.
Uma raridade é uma entrevista rápida de 1984 dada com seu pai, hoje falecido,
na saída de um show. Ney não a conhecia e se emocionou. Militar, ele não via com
bons olhos o filho quase nu nos palcos. “No começo, não gostava. Não estava
acostumado com um homem rebolando. Agora sou o fã número dois; a número um é
minha mulher.” A mãe, de 89 anos, mora no sítio do cantor, na Região dos Lagos,
no Rio, e vem para o jantar dos 70 anos.
O Estado assistiu a um trecho. É saboroso rever o Ney superexótico, maquiando
o rosto todo, os figurinos absurdos, o requebrado, a declamação de poesias.
Saltam da tela a visão libertária, a coerência, o discurso antirrótulos – ele
nunca quis ser estandarte da causa gay, por exemplo. “Brinco que ele deu uma
única entrevista a vida inteira”, diz Pizzini. “O filme traduz suas personas. É
um artista completo. Estou evitando o tom nostálgico. Ney é supervivente.”
A faceta diretor de teatro pode ser conferida no Sesc Pinheiros, onde está em
cartaz até o fim de agosto Dentro da Noite, monólogo com Marcus Alvisi.