Esquecer o celular em casa e imaginar ficar sem a comunicação pessoal por várias horas é motivo de transtorno para muitos usuários.
Tanto que não são poucos os que preferem pegar o carro, fazer um retorno entediante e destrancar todas as fechaduras para buscar o aparelhinho. É quase impossível, hoje, imaginar a vida sem o telefone móvel. Mas já foi assim, e não faz tanto tempo.
A comunicação móvel completa duas décadas no Brasil neste mês, com aproximadamente 200 milhões de linhas habilitadas (mais de uma por habitante) e importância crescente para ampliar o acesso à internet no país.
O então ministro de Infraestrutura, Ozires Silva, jamais poderia imaginar há 20 anos um cenário como esse quando telefonou para Jarbas Passarinho, que comandava o Ministério da Justiça, e fez a primeira ligação de celular no Brasil. Eram os últimos dias de 1990 e o serviço estreava timidamente na Telerj Celular (atual Vivo) para os corajosos – e ricos – que estavam dispostos a pagar US$ 20 mil para experimentar a novidade.
Já faz muito tempo que as operadoras deixaram de cobrar pela habilitação da linha e, desde 2005, existem mais celulares que telefones fixos no país.
Em 2010, a telefonia móvel ultrapassou outra barreira e se tornou, também, o principal meio para acesso à internet no país. O Brasil deve fechar o ano com mais de 20 milhões de conexões de internet móvel, segundo indicam números divulgados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em contrapartida, as linhas de banda larga fixa somavam 12,8 milhões no fim de setembro – dado mais recente disponível.
Ao longo das duas últimas décadas, as redes de telefonia móvel deixaram de ser apenas uma forma de comunicação de voz e ganharam a capacidade de transmitir dados em alta velocidade, permitindo o acesso à internet. Ao mesmo tempo, os aparelhos de celular se transformaram em minicomputadores – com capacidade de processamento de dados muito maior que a dos PCs de pouco tempo atrás. Os telefones também ficaram mais leves, adquiriram novos formatos e cores. Os modelos de hoje em nada lembram os “tijolões” que desembarcaram no Brasil nos anos 1990. Lançados como analógicos, chegaram ao padrão tecnológico de terceira geração (3G) e continuam a evoluir.
“O celular ganhou importância política, econômica, social e familiar”, resume o presidente da Anatel, Ronaldo Sardenberg. A declaração pode parecer surpreendente vinda de alguém que relutou em ter seu primeiro telefone móvel. “Fui uma das últimas pessoas a ter celular no Brasil. Eu morava no exterior (trabalhava como embaixador) e achava que não era bom ter um celular e poder ser localizado a qualquer hora pelos jornalistas”, recorda ele, entre risos.
A postura discreta de Sardenberg, entretanto, estava mais próxima da exceção que da regra. Em geral, quem tinha condição de adquirir um celular gostava mesmo era de exibi-lo – quem não se lembra daquelas capinhas de couro que prendiam o aparelho ao cinto da calça? E nem sempre era para ter acesso constante ao aparelho.
Podia ser pior: havia quem pendurasse um aparelho de brinquedo na cintura só para fazer de conta que tinha um telefone móvel. Ou quem fazia questão de falar bem alto para deixar claro que estava no celular.
O telefone móvel se popularizou e deixou de ser motivo de exibicionismo, mas continua ditando moda. Tirar fotos, fazer vídeos e, mais recentemente, navegar nas redes sociais são apenas algumas das possibilidades abertas pelo aparelho. “De todas as novidades que os celulares trouxeram, o comportamento das pessoas foi o que mais surpreendeu”, afirma Edson Bortolli, diretor de produtos da Motorola- um dos primeiros fabricantes de aparelhos a desembarcar no país.
O executivo, que estava na Telebrásna época da privatização, trabalhava na área de telefonia pública quando as operadoras lançaram os primeiros planos na modalidade pré-paga. “Pensei: é a morte do orelhão”, recorda.
Não foi bem isso que aconteceu. De fato, os pré-pagos foram os propulsores da telefonia móvel – representam mais de 80% dos assinantes do serviço. No entanto, as tarifas praticadas ainda são altas, o que cria uma situação curiosa: muitos assinantes usam o celular só para receber chamadas e recorrem ao bom e velho orelhão quando precisam ligar para alguém.
Nos últimos anos, gerou-se outra distorção local. Os brasileiros perceberam que é mais barato ligar para um assinante da mesma operadora e, a partir daí, passaram a ter um chip de cada empresa de telefonia móvel. Essa prática ajudou a multiplicar o número de linhas habilitadas no país.
“Ninguém acreditava que a densidade da telefonia móvel passaria muito dos 40% no Brasil”, diz Eduardo Tude, sócio da consultoria Teleco, especializada em telecomunicações. Neste ano, o índice chegou a 104 celulares para cada cem habitantes.
Sob qualquer ângulo, os números exibidos pelo mercado brasileiro superam com folga as previsões feitas pela própria Anatel. Em 1997 (ano em que foram vendidas as licenças para as operadoras da banda B, que introduziram a concorrência no setor), o órgão regulador projetava um cenário segundo o qual o país alcançaria 23 milhões de celulares em 2003. O número real foi o dobro disso. Daí em diante, o ritmo de crescimento só aumentou.
Contribuiu para isso uma queda acentuada nos preços dos aparelhos de celular e dos equipamentos usados nas redes das teles. No início da década, o governo fez uma opção pelo padrão tecnológico GSM, que tem mais escala no mercado internacional e, por isso, oferece preços mais baixos. “A melhora da economia brasileira e a estabilidade das taxas de câmbio também tiveram importância para que o mercado crescesse dessa forma”, diz Luís Minoru, diretor de consultoria da PromonLogicalis, integradora de sistemas de tecnologia.
Mais do que isso, a forte competição entre as teles fez do telefone móvel um bem acessível a milhões de brasileiros que nunca puderam ter uma linha fixa. “O celular era um artigo de luxo. Hoje, não é mais”, afirma Tude, da Teleco.
Talita Moreira/Valor
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