.
Há 40 anos, no dia 10 de abril de 1970, Paul McCartney anunciava a separação oficial dos Beatles em comunicado.
Pouco tempo depois, John Lennon concluia: o sonho havia terminado.
Na realidade, o grupo já tinha deixado de tocar juntos havia vários meses, quando terminou a gravação do álbum “Abbey Road“. Os quatro já estavam se dedicando a projetos pessoais, mas ninguém se atrevia a anunciar ao mundo a separação.
“Não deixei os Beatles. Os beatles deixaram os Beatles, mas ninguém quer ser o que diz que a festa terminou”, afirma Paul na autobiografia do grupo, “Anthology”.
Em abril de 1970, Paul lançava seu primeiro disco solo, “McCartney”, e queria evitar entrevistas nas quais, sem dúvida, seria perguntado sobre a situação dos Beatles.
O baixista decidiu que Derek Taylor, assessor de imprensa do grupo, prepararia um questionário, que seria respondido por ele distribuído junto com seu disco.
“Uma das perguntas foi: podemos dizer que os Beatles se separaram?’ Respondi: ‘Sim. Não voltaremos a tocar juntos'”, lembra.
Paul estava furioso com o trabalho feito pelo produtor Phil Spector com as fitas que o grupo tinha deixado paradas no ano anterior e que foram retrabalhadas e lançadas no álbum “Let it be”.
O trabalho de Spector foi aprovado por John e George Harrison, que não queriam que Paul lançasse seu álbum pela Apple Records – o selo criado pelo grupo – antes que “Let it be” e o disco de estreia de Ringo Starr começassem a ser vendidos.
“Estava tão cansado de tudo que disse: ‘Quero sair do selo’. A Apple Records era um lindo sonho, mas pensei: ‘Quero deixá-lo’. George me disse por telefone: ‘Você vai ficar no selo! Hare Krishna!’ e desligou”, lembra Paul.
“Não fui gravar ‘McCartney’ com a Apple. O fiz sozinho e disse para que o lançassem”, acrescenta.
Paul afirma que o grupo chegou a seu fim “quando John disse: ‘deixo os Beatles'”.
O vocalista já atuava junto com Yoko Ono em seu próprio grupo, o Plastic Ono Band, com o qual tinha lançado um álbum ao vivo, e, em janeiro de 1970, tinha gravado a música “Instant Karma”, com George e Spector.
Ringo afirma que, antes do anúncio de Paul, sempre havia a possibilidade de os Beatles continuarem juntos. “Quando estávamos no estúdio gravando ‘Abbey Road’ não dissemos: ‘acabou: último disco, última canção'”, assegura o baterista.
Mas a separação dos Beatles era inevitável. Como explica George Martin, o produtor que trabalhou com eles no estúdio de gravação durante oito anos, “a ruptura ocorreu por muitos motivos, sobretudo porque cada um dos meninos queria viver sua própria vida e nunca tinham conseguido”.
“Acho que nos separamos pelo mesmo motivo pelo qual as pessoas se separam. Precisávamos de mais espaço vital e os Beatles tinham se transformado em um espaço reduzido”, afirma Harrison na autobiografia do grupo.
Os quatro integrantes da banda seguiram seus caminhos separadamente, mas nunca deixaram de ser perguntados sobre um possível retorno, opção que foi descartada depois que John foi assassinado em Nova York, no dia 8 de dezembro de 1980.

A faixa de pedestres de Abbey Road é divisória. Linha emblemática entre “somos Beatles” e “somos ex-Beatles”. Uma foto simples de quatro homens cruzando uma rua, um clique, e a sensação para cada um deles de tudo acabado entre nós, parceria desfeita, game over, the end, valeu mesmo, obrigado, cada um cuide de si.
A foto clássica desde ali, feita sem grande produção, em minutos, meio que despretensiosa, sem grande dedicação, mostra cada um determinado a passar rápido, finalizar rápido, sem ligar para o da frente ou o de trás, introspectivos, como que desconhecidos um do outro, expressões individualistas. É a síntese do rompimento.
Virou capa do long play Abbey Road, dos Beatles, último gravado por eles, penúltimo finalizado e posto à venda. Superior a todos segundo muitos, de deixar sem fôlego, onde é difícil escolher a melhor música, o que deu esperança de os boatos de separação serem só boatos mesmo ou, ao menos, de terem chegado a um acerto e continuariam juntos.
Ao contrário. Dali tudo ficou mais claro, decidido até, esperando só o comunicado, digamos, oficial. E veio. De forma meio que informal, em 10 de abril de 1970, Paul McCartney disse que seguiria carreira solo. The Beatles chegara ao fim.
Era esperado. Só era ruim de acreditar. Os comentários de separação eram fortes, não via quem não queria aceitar.
Brigas nas gravações, frieza nos olhares, indiferença, interesses conflitantes, ideias individuais, egoístas até, desgaste total, sensação de “já deu, né!”, necessidade de se desgarrar, seguir sozinho. Saco cheio.
Dez anos juntos, dez anos intensos de mudanças, de criatividade, rebeldia, de conservadorismo caindo, de louvar a sensibilidade, inovações, de influência em todos os sentidos.
O reflexo dos anos 60. Depois que começaram a cantar o cabelo dos homens cresceu mais e mais, as mulheres cortaram as saias mais e mais, o mundo coloriu mais e mais, se drogou mais e mais e fez sexo idem.
Dez anos em que a necessidade de ser livre a todo custo se apossou da humanidade e a foi dominando mais e mais.
Se não foram os cabeças, os Beatles foram o símbolo da década. De meninos de terninho bem passado, cabelos um pouco longos, mas bem penteados, barbeados, risonhos e cara de certinhos que cantavam “Yeah, yeah, yeah!” a caras bigodudos, cabeludos, barbudos, de costeletas grandes, despenteados, com roupas coloridas, cansados de mulheres gritando em volta. Da inocente I want hold your hand à lisérgica Lucy in the sky with diamonds.
Tão influentes que a beatlemania não durou só dez anos. Começou com uma histeria feminina a la Jonas Brothers e vem até hoje com uma adoração bem mais masculina que não admite questionamentos.
Fale qualquer coisa junto a um fã (não são poucos) e se tem um rol decorado e detalhado de contribuições ao mundo da música.
Os quatro rapazes ingleses não faziam músicas políticas, de enfrentamento, estimulando o combate. Eram filosóficos, pacifistas, sensíveis, alucinógenos inclusive
As mais básicas: incorporaram a música clássica ao rock, criaram, investiram e abusaram de toques e batidas, na busca de um som diferente, um arranjo agradável aos ouvidos, revolucionário, letras cada vez mais poéticas, reflexivas, questionadoras, progressistas.
Musicalidade, técnica, inspiração e personalidade. Vários estilos dentro de um estilo próprio, absorvendo influências e influenciando.
Fãs e críticos chegavam a dar nome ao que eles faziam que nem os próprios Beatles entendiam o significado. Um crítico italiano uma vez disse que a canção It won’t be long teria cadências eólicas. John Lennon perguntou de pronto: “O que é isso? Algum pássaro exótico?”
Quando Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band chegou aos ouvidos, em 1967, foi tido como o disco com maior força criativa da música até então. E, há quem defenda, até hoje nunca houve igual.
Acha pouco? Tem razão. O álbum é um mix de toda a década de 60. Psicodelismo, rock’n roll, pop, iconoclastia, liberdade, paz e amor. O anúncio de que o mundo mudou e mudaria ainda mais. E de que The Beatles mudou junto ou à frente.
Mas mudanças trazem conflitos. E The Beatles não escapou. Começaram a divergir, guerrear por poder, a se impor, se suportar.
George Harrison, frustrado por anos, escanteado, queria mais espaço nas composições, Paul e John não queriam abrir, Paul, pop e moderno, pedia mais dedicação à banda, John se distanciava, introspectivo e experimental, Ringo Starr apático era, apático ficava.
E o mundo em volta também era conflitante. A ingenuidade espiritual do faça amor não, faça guerra vinha sendo substituída pela ideologia raivosa da luta de classes.
Os quatro rapazes ingleses não faziam músicas políticas, de enfrentamento, estimulando o combate. Eram filosóficos, pacifistas, sensíveis, alucinógenos inclusive.
Quatro rapazes que precisavam de amor como todo mundo. Tiveram. E tiveram muito. Mas, também como todo mundo, envolveram-se em egocentrismo, caos administrativo, má vontade em se entender, mau humor na convivência, ciúme, pitacos de gente de fora, queixas não resolvidas, guardadas, ruminadas e tóxicas. Ninguém aguenta.
Dez anos de grandeza acabaram em mágoa. Nunca mais os quatro se reuniram de novo. Se evitaram, se farpearam, cada um no seu rumo.
O último disco, Let it be, lançado em março de 1970, após quase um ano arquivado, tem na capa quatro fotos, quatro rostos particularizados, independentes, escolha talvez proposital, juntos só pela composição gráfica, retratos claros da desunião concretizada.
The Beatles havia atravessado a faixa divisória bem antes.
MIGUEL RIOS/JC