Nove de março de 2009, segunda-feira pela manhã. Um rapaz veste uma bermuda clara, camisa e tênis preto e sai de casa, no Guará II. Ele diz à mãe que vai caminhar. Não é verdade. Pega um ônibus e segue para o Pátio Brasil, no início da W3 Sul. Espera as portas do shopping se abrirem. Às 10h, o centro de compras começa a receber o público. O rapaz entra. O shopping está meio vazio.
Ele vai até o último andar. Ali, na praça de alimentação, Pedro Lucas despenca para a morte. Ele tem 21 anos. Brigadistas do shopping correm. Uma espécie de biombo é colocado em volta do corpo. Sobre ele, uma lona preta. As pessoas vão e voltam. Uns viram. Outros ouviram o barulho. Seguranças impedem que as pessoas filmem ou tirem fotos.
As lojas continuam abertas. A vida segue. Somente às 13h o corpo é retirado e o lugar e onde Pedro caiu é higienizado.
Em 1º de março de 2007, a estudante de design de interiores Keiny Luiza chegou ao Pátio Brasil para tirar fotos para documentos. O shopping ainda estava meio vazio. Às 10h24, ela ouviu, atrás dela, um barulho forte e abafado. De repente, pessoas gritaram. Um rapaz de 27 anos no chão, que acabara de pular do último andar. Estava morto. “O que mais impressionou foi o esquema de segurança do shopping. Em menos de 10 minutos, tudo estava cercado para que ninguém chegasse perto nem visse lá de cima. A sensação que tive é que eles estão preparados para isso”, diz.
Assunto proibido. Voltemos a 9 de março. Do shopping, o corpo de Pedro Lucas segue para o Instituto Médico Legal (IML).
O rapaz de 21 anos é, desde 2001, a 12ª pessoa que dali se joga. “Ele tinha o livre arbítrio, mas não dessa forma”, reflete o pai, mortalmente ferido. E faz um apelo pela vida: “Se houvesse mais segurança naquele shopping, meu filho não teria se jogado dali.
A minha luta agora é para que outros jovens não se matem nesse lugar”, promete o servidor público federal Marcos Dantas, de 51 anos. De acordo com o estudioso em prevenção de suicídio e psicólogo Marcelo Tavares, dificultar o acesso de uma pessoa em sofrimento a locais de risco pode ajudar a evitar a morte e abrir possibilidades de tratamento.
No Pátio, o assunto é proibido. Virou tabu. Nenhum funcionário comenta as mortes. Dantas constatou isso, ao voltar ao local da tragédia sete dias depois.
Choque
O rapaz que se jogou do último andar do shopping era um garoto como tantos outros. Gostava de sair com amigos, ir às baladas. Dominava bem a informática. “Às vezes, a timidez lhe deixava ruborizado. Ele era o calminho da turma”, lembra uma amiga do Colégio Rogacionista, no Guará II. O pai, entretanto, conta os planos que o filho fazia: “Ele tinha se matriculado num curso de Tai Chi Chuan. A natação estava paga por 90 dias. Ele programava o futuro”. Pedro Lucas era o segundo filho (e caçula) de um casal de pais separados. Mas, mesmo com a separação, a família está sempre junta.
Meu filho era pra cima.” O que levou, afinal, Pedro a se matar? O pai, com a voz embargada, responde: “Me faço essa pergunta todos os dias. Talvez não consiga nunca a resposta. Ele era um menino normal, não tinha motivos para se matar”. A mãe, uma professora de 52 anos, chora sem cessar. A dor é infinda. A resposta que Marcos Dantas tanto procura talvez não venha nunca. Pedro a levou consigo, naquele pulo rumo à morte. Deixou pai e mãe órfãos de filho (ainda não inventaram um nome para pais que enterram filhos).
A vida, agora pela metade, acompanha aquela família. Shopping se isenta Ninguém do Pátio Brasil quis dar entrevista. A administração alegou que “atende todas as normas construtivas e, embora tomadas as providências de segurança que evitam acidentes dentro do empreendimento, torna-se impossível conter uma decisão de alguém que, em um momento de desespero, decide atentar contra a própria vida.”
O shopping também destacou que “não cabe ao Pátio Brasil o acompanhamento prévio e a atenção relativa aos sinais emocionais de pessoas que merecem atenção médica específica”.
Prevenir é possível
O Correio Braziliense ouviu o professor Marcelo Tavares, 52 anos, coordenador do Núcleo de Intervenção em Crise e Prevenção do Suicídio, do Instituto de Psicologia da UnB, e a maior autoridade no assunto em Brasília. Para ele, o suicídio configura hoje sério problema de saúde pública em todos os países.
“Dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) mostram que, no mundo, há pelo menos uma tentativa de autoextermínio a cada três segundos. É uma das três maiores causas de mortes de pessoas de 15 a 35 anos.” Tavares acredita que a prevenção demanda atenção de toda a sociedade. “Por ser um fenômeno complexo, o suicídio não pode ser combatido a partir de ações isoladas”, define. E complementa: “O suicídio é um ato impulsivo. Portanto, quando a pessoa encontra uma pequena dificuldade, um esforço a mais para executar a ação, isso pode provocar uma desistência do ato, o suficiente para impedir”.
De acordo com o psicólogo, no artigo Suicídio: possível prevenir, impossível remediar, “as escolhas dos meios de suicídios são influenciadas por numerosos fatores … “Lugares bonitos e públicos podem criar um contexto para imortalizar e glorificar a própria morte na forma de um eloquente discurso final”, argumenta.
Estudos da OMS indicam que cada suicídio afeta significativamente pelo menos seis pessoas. Membros da família ficam mais suscetíveis a considerá-lo como uma alternativa a seus problemas. Tornam-se também pessoas em risco. “Se o suicídio ocorre em lugar de ampla circulação pública, seu alcance é ampliado. Muitos do que presenciam o fato podem sofrer danos, sobretudo aqueles já vulneráveis”, observa o especialista. O psicólogo lembra que não existem suicidas, mas “pessoas em sofrimento” que, em momentos de desamparo, buscam alternativas desesperadas para sair daquela situação. “Isso é transitório.
Um dos maiores estudiosos da prevenção em suicídios do país, que se debruça no tema desde 1987, Tavares acredita que o silêncio, o “não falar sobre isso”, apenas prejudica. “A responsabilidade da prevenção é de todos, mas a mídia tem um lugar especial, pois atinge as pessoas, sendo dificilmente neutra nesta questão”, avalia.
Correio Braziliense