
O discurso da derrota de Hillary Clinton foi ao mesmo tempo uma declaração de apoio a Barack Obama e um lamento pela perda da oportunidade histórica da chegada de uma mulher à Casa Branca. Houve generosidade, sim, e houve também um inevitável toque de amargura. Hillary discursou como uma feminista. Para quem começou a campanha dizendo que não era candidata por ser mulher e sim por considerar-se a pessoa mais qualificada para ocupar o cargo de presidente, a mudança foi sensível.
Hillary fez um balanço de campanha, sublinhando o fato de ter encontrado pelo caminho eleitoras nascidas num tempo em que mulheres não tinham direito a voto. Essas eleitoras estão agora com mais de 80 anos e talvez não estejam vivas quando uma mulher chegar afinal à Casa Branca. Obama já sonha até com um segundo mandato, avisando que gostaria de abrir uma Olimpíada, em 2016, nos EUA.
A mudança de tom de Hillary lembra a de Gloria Steinem, uma das líderes do movimento feminista americano. Em fevereiro de 2007, Gloria escreveu um artigo no “The New York Tmes” criticando a mídia por encomendar pesquisas perguntando aos americanos se eles estavam prontos para um presidente negro ou uma presidente mulher. Para a líder feminista, esta era uma forma de dividir e tornar antagônicos dois movimentos fortes dentro do Partido Democrata: o das mulheres e o dos negros. “Está na hora de dizer: apoio Hillary porque ela é a melhor candidata e porque ela é mulher!”. A derrota de Hillary é também a derrota das feministas.
Há quem acredite que esta derrota se deve exatamente à demora das próprias feministas em efetivamente entrarem na campanha de Hillary.
No seu discurso de despedida, Hillary fez contou a história de sua campanha como parte da luta pela emancipação feminina. E, nas últimas semanas, tentou ensaiar uma certa narrativa de vitimização, apresentando-se como alvo indefeso do sexismo dominante.
Bastaria comparar a queixa de Hillary sobre as perguntas feitas por jornalistas nos debates com o tratamento dado aos sermões violentos do pastor Jeremiah Wright, que fizeram Barack Obama reagir com um discurso histórico.
Para Obama, que nunca declarou-se um candidato negro e sim um candidato birracial, o rompimento com Wright com a oportunidade de afirmar uma diferença não apenas de valores, como também geracional, de percepção da história em movimento.
Hillary, ao vitimizar-se diante do sexismo que, em muitos casos, de fato existiu, deixou de perceber o quanto o discurso de união tinha apelo, sobretudo para o eleitorado jovem, de menos de 40 anos. As jovens feministas preferiram Obama. Por que? Primeiro porque nunca perdoaram Hillary por defender seu casamento com Bill, em meio ao escândalo com Monica Lewinsky. Depois, porque consideram que ela tentou beneficiar-se do tempo em que foi primeira dama.
As jovens feministas derrotaram Hillary Clinton. Para elas, a superação das divisões de gênero é tão fundamental quanto para os jovens negros a superação dos ódios raciais. As jovens feministas querem virar a página do discurso de afirmação de uma identidade feminina como forma de confrontar o machismo. Assim como a nova geração do movimento gay detesta a política do “don’t ask, don’t tell”, implantada durante o governo de Bill Clinton, e afastou-se de Hillary quando ela defendeu a união civil mas recusou o casamento gay.
A nova América sonhada pelas novas gerações será aquela que valoriza a miscigenação, que promove direitos iguais para toda e qualquer opção sexual e que reconhece a diferença entre os sexos, sem privilégios. Quando isto será possível? Talvez o sonho ainda demore a concretizar-se, mas, para jovens eleitores, o caminho traçado por Hillary Clinton não era a trilha mais curta para conquistá-lo.
Marília Martins/NY
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